Tribruto - Algazarra

Tribruto
Algazarra
Kimahera (Novembro 2010)


Tribruto (não “tributo”!) é o well known grupo algarvio composto por Kristo, RealPunch e o prolífero DJ/produtor Gijoe.

A primeira coisa que se me apraz dizer sobre este álbum é: FINALLY!

De facto, não me lembro da última vez em que um álbum tuga me cativou logo à primeira audição e não me fartou ao fim da segunda. “Algazarra” é daqueles álbuns que quando se começa a ouvir, fica-se logo estarrecido, tipo puto de cinco anos “uáu, tantas luzinhas!!”, e só depois se começa a perceber a que se deve tal nível de espectacularidade.

Para começar, neste álbum não há por onde começar. Ou seja, não há uma componente que sobressaia mais do que as outras, que chame mais à atenção ou que tenha mais qualidade. Por outro lado, talvez seja isso mesmo que marca a diferença em “Algazarra” – o facto de soar tão coeso, tão bem acabado (tão bem começado?), tão conquistador logo à partida.

É um álbum feito para curtir – mas não pensem já que isso significa que é “mais do mesmo”. Não, é dos poucos álbuns onde os instrumentais contribuem claramente para um elevado nível de curtição nos concertos, na medida em que estã cheios de batidas poderosas, samples inteligentes e scratch como já não ouvia há muito tempo.

E no que se refere às rimas? Cito logo a segunda faixa, com o mesmo nome do álbum: “Faço malhas onde malhas / acerto onde falhas / avanço onde encalhas / arrumo o que enchovalhas”. É mesmo isso – a nível de rimas, Tribruto consegue o que 95% dos álbuns de punchline não conseguem, isto é, consegue ir além da simples punchline trazendo evocações surpreendentes linha a linha. Onde a maioria dos rappers faz uma faixa de egotrip, outra de storytelling, outra de intervenção, Tribruto fazem todas as faixas de tudo. É egotrip E storytelling E punchline E intervenção E skill E flow E mensagem.

É um all you can eat hiphopiano!

“Posso entrar” é das cenas mais hilariantes que se ouviu no rap tuga. A sério. Se conseguirem ouvir esta faixa sem se partirem a rir, há algo de muito errado com vocês. Mad props para o Espectro por ter vindo lá de longe e se ter proposto a fazer uma cena assm! Ó Joe, fala lá com ele, que era fixe que ele voltasse a aparecer no próximo álbum.

“C-ngle”, com um beat daqueles que não deixa margem para dúvidas, está nos píncaros da rima, flow e skill. Contém uma das melhores pestações de RealPunch que já ouvi até hoje. Resumindo: flawless. Nos mesmos aspectos, Kristo sai mais destacado em “Tributo”. Mas estamos aqui a falar de incrementos na prestação marginais, porque na big picture, há poucos colectivos de rap tuga que funcionem tão bem juntos como este.

“Ar Decôr” é um caso raro. Passo a explicar: é das poucas faixas com a participação de Perigo Público em que este não eclipsa completamente os mcs anfitriões. Pelo contrário – estão todos em casa, estão todos ao mesmo nível (elevado!). Aliás, o mesmo torna a acontecer em “Apanhado do clima”, mas com Nerve como convidado. O trio RealPunch, Kristo e Nerve juntam-se para matar o beat de GI Joe numa faixa que consideraria das melhores do álbum, a par com as anteriomente mencionadas.

Para mais awsomeness, consultar “À nossa volta” (com um beat que ofusca), “S.F.U” (where my indies at? Reconhecem a quote inicial?) e “R.U.A.”, com WTR, faixa que tem uma surpresa especial no fim, que me faz rir sempre, mesmo ao fim de mais de dez audições. É a dica de introdução para “Questões”, que pelos vistos é uma especialidade para o convidado de honra, “Reflect”.

Outras músicas com registos um pouco mais diferenciados, como “Money comes to you” e “Cinco dedos, cinco sentidos”, “Dizem-nos muito pouco”, com Nessa e Sacik, “O que me apetece” contribuem para a diversificação da sonoridade de “Algazarra”, provando que GI Joe, Kristo e RealPunch não são rapazes de um só truque.

“Comes e calas” fecha o álbum, no registo característico de Tribruto que nos deixa uma mensagem muito clara: punchline não é para meninos.

Imperdível.

Algumas Reflexões... O Poder do Ouvinte

Há gente que abomina o rap. Alguns simplesmente apreciam um ou outro artista, uma ou outra canção. Há consumidores de música que ingerem o rap da mesma forma com que se alimentam da Pop ou do Rock. No entanto, os adeptos do rap, eles mesmos, não são de forma nenhuma homogéneos na forma de senti-lo. Neste âmbito, pode-se ainda extrapolar as diferentes pontas do rap, desde o underground ao mainstream, do indie ao gangsta, do culto e poético até ao de rua, mais cru.

De entre todas estas variantes, algumas fazem a apologia da violência ou, pelo menos, ela está incluída no rol de assuntos predominantemente tratados. Ora, há quem gostasse e desejasse banir e censurar vincadamente tal temática na música. Até porque o Hip Hop é festa, é promoção de paz, é isso que está inscrito nos seus princípios.

Retrato da sociedade, forma artística ou expoente da liberdade, a música é peça vital, é sangue mesmo, para qualquer pessoa. Ninguém vive sem música. Toda a gente a ouve, independentemente dela ter qualidade ou não. Assim, a música é depositária de tudo quanto possa haver neste mundo. Mas pode ou deve impor-se uma cartilha de assuntos tratáveis na música ou cada um deve ser livre de viver, no fundo, essa liberdade soprada pela própria música?

Discriminação pela cor da pele e pela sexualidade, exploração emocional, violência, manipulação, guerra, violação dos direitos humanos... Há aspectos errados mas arreigados na sociedade que deslaçam a civilização. Tornamo-nos pessoas cada vez mais insensíveis, egocêntricas, egoístas e distantes. Quantas vezes já escutamos, por exemplo, num rap uma calúnia contra as mulheres? Vezes sem conta, infelizmente. Será esta a liberdade que imaginamos quando pretendemos a música sem amarras?

A nossa sociedade valoriza cada vez mais a aparência em desfavor do conteúdo, o materialismo em desprimor do saber, à medida que a universalidade ao invés de fomentar a abertura de mentalidades oprime certos aspectos pelo franzir da intolerância e pelo virar de costas que é o preconceito. Ultrajar contemporaneamente é um modo de vida para muitos. Elevar a arte, qualquer que ela seja, é tarefa apenas de um restrito grupo de iluminados que permanecem firmes na crença de que vale a pena lutar por algo superior, que nos faça sentir perto dos deuses.

Quem liga a MTV, assiste com espanto à apologia do fútil que faz do livro de cheques e do registo de propriedade o termómetro indicado para a medição da sua valia pessoal. O que é um claro contra-senso com uma forma artística como a música. A arte é a desenvoltura do intelecto, não a balança que pesa o volume do que se tem nos bolsos.

Noutro particular, existe também a inveja. É bem mais fácil invejar do que tentar chegar-se a um determinado patamar. Em muitos casos, chafurda-se na abulia, definha-se na negatividade, por não se conseguir ser muitas vezes alquimista e transformar a energia que nasce em nós em algo positivo. É mais fácil odiar do que amar porque o ódio é destruir ao passo que amar é construir. E há o trabalho. Nada se constrói sem trabalho, sem dedicação e persistência. Quando estes elementos se juntam há um mistério no Universo – a que alguns chamam sorte – que congrega esses factores para que eles resultem.

A música tem um estrondoso impacto na consciência colectiva, influenciando-a portanto nas suas convenções quer positivas quer negativas. Daí que seja essencial que os artistas usem o poder que têm responsavelmente. Mas como sabemos que o Pai Natal não existe mas ele entra-nos casa adentro todos os anos, teremos então de ser nós, os ouvintes, os garantes da saúde da música e tratar de fazermos a triagem devida. Nenhum artista vingará se não lhe dermos importância. É uma questão de afirmarmos a nossa escolha e de não estarmos à espera que nos impinjam quem quer que seja.

Deve servir a música para que nos tornemos melhores pessoas. Deve ela inspirar-nos certos valores que norteiem os nossos dias. Concluindo, parte do ouvinte aceitar e legitimar certos tópicos reflectidos na música. O gosto é sempre validado pelo público e a música que temos resulta desse gosto da maioria. Por isso, é que é cada vez mais urgente e importante que sejamos exigentes com o nível musical dos artistas para que advenha daí a qualidade que todos nós pretendemos e que essa se sobreponha à decadência sonora que por aí ondula.

Um MC Competente Inconsciente


Frequentemente, quando nos pedem a opinião sobre um MC que começou a rimar há relativamente pouco tempo, é-nos difícil fazê-lo. Por vezes, os temas são demasiado dejá-vù e as rimas estão mal construídas. Por outras, denota-se um esforço por fazer palavras rimar implícito na maneira como as rimas estão arquitectadas. Em qualquer dos casos, denota-se sempre que há uma grande disparidade entre os MCs mais evoluídos e aqueles que ainda estão a aprender.

Há determinadas fases pelas quais um MC tem de passar se quiser dominar o processo de escrita e conseguir-se expressar da melhor maneira, combinando a forma como escreve com o skill e flow que só vem com o tempo e a aprendizagem. São elas:

Incompetente Inconsciente
O MC tem dificuldade em escrever para um beat, quando grava fica fora de tempo, tem um flow quadrado que nunca varia e nenhum skill. Vai gravando sons que não lhe soam bem, mas não se apercebe porquê nem o que pode fazer para melhorar. Não entende onde é que está o problema. Será o flow? Será a dicção? Será o beat? Ele é incompetente porque não consegue dominar o beat e inconsciente porque não consegue descobrir porquê.

Incompetente Consciente
Nesta fase, o MC começa-se a aperceber de alguns factores chave para que as gravações comecem a soar bem. Apercebe-se que há certas alterações que pode fazer na forma como escreve que lhe dão mais liberdade no flow: já não escreve rimas 4x4. Descobre novas formas de fazer os versos rimar. O processo de descoberta e melhoria faz-se através da emulação de truques que escuta noutros MCs. Reproduzindo-os, desvenda as engrenagens da arte. Ainda que continue incompetente, pois ainda não é capaz de inovar e precisa de recorrer ao que já existe para evoluir, já está consciente dos aspectos em concreto que precisa de melhorar. Sabe onde procurar.

Competente Consciente
À medida que se vai familiarizando com os processos de criação, começa a adquirir as ferramentas para fazer exactamente o que tem em mente. Já não é escravo do pouco que sabe fazer – já é capaz de construir e inovar, fazer coisas que nunca tinha feito antes. Compreende que o beat lhe dá um contexto e pode favorecer determinado tipo de flow, e que esse tipo de flow pode ser explorado da melhor forma com determinado tipo de rima. Mas ainda precisa de fazer um esforço consciente para conjugar todos esses factores, o que leva a que certas músicas soem mecânicas, demasiado tecnicistas e com falta de fluidez. Já sabe como fazer o que quer fazer, pelo que já se tornou competente, mas ainda não ganhou os automatismos necessários à arte de rimar, pelo que ainda se nota um esforço consciente.

Competente Inconsciente
Estes MCs ouvem o beat e, quando escrevem, já têm na cabeça que tipo de rimas querem e como vão colocar o flow. Ainda antes de gravar, a música como um todo já existe dentro da sua cabeça. Conseguem-se focar unicamente na mensagem que querem transmitir, pois a escrita, o flow e o skill já lhes saem automaticamente. Todo o esforço está orientado no sentido da inovação e da criatividade. As rimas soam fluentes, quando os escutamos estamos a ver um filme sem sequer nos apercebermos que as coisas estão todas a rimar e que o flow está milimetricamente colocado. Só somos surpreendidos quando o MC escolhe surpreender, e não porque determinada rima não lhe saiu bem ou porque o flow descarrilou. A sua competência é já inconsciente, é um automatismo que lhe permite a liberdade para o nível seguinte.

Eu diria que poucos são os MCs na tuga que se encontram no estado de Competência Inconsciente. E a maioria deles, nem sequer são muito criativos. O facto de já dominarem todos os aspectos do MCing e portanto terem a liberdade para inovar, não quer dizer que o façam ou sequer que sejam capazes de o fazer. Mas quando os escutamos, sentimos que rimar, para eles, já é tão natural como respirar.

No outro extremo, temos muitos MCs, principalmente da nova escola, que se preocupam muito com a inovação sem antes se dedicarem a aprender a dominar todas as ferramentas necessárias. Perdem demasiado tempo à procura do assunto sobre o qual nenhum MC falou ainda, mas escrevem barras com palavras a mais, saem de tempo, perdem o focus do tema para forçarem a rima ou perdem o focus da rima para forçarem um tema.

Um bom MC pode atravessar estas quatro fases mais depressa ou mais devagar, mas tem de o fazer obrigatoriamente. Repetidamente. A quarta fase não é um estado, é um ciclo, pois assim que MC descobre uma nova limitação, torna a percorrer o ciclo. Nunca acaba.

Um MC medíocre chega à terceira fase e volta à primeira – limita-se a limar algumas arestas antes de cruzar os braços e se declarar o melhor MC do mundo, tornando-se assim inconsciente da sua incompetência.

Um mau MC nunca sai da primeira fase – e é destes que temos às carradas, povoam a maioria das net tapes que por aí circulam com egos do tamanho do mundo e sem qualquer noção das suas limitações.

Mais do que uma forma dos “críticos” analisarem os artistas, eu diria que a verdadeira utilidade deste modelo (muito utilizado em psicologia) é ser uma forma de auto-aprendizagem.

Black Milk - Album of the year



O príncipe de Detroit está de volta com o seu aguardadíssimo terceiro disco. Com um início de carreira auspicioso, cedo foi rotulado como o substituto natural de J-Dilla, isto ainda num período de luto pela estrela maior da cidade e também num de hibernação criativa de todas as outras referências ( Slum Village, Eminem, Royce 5'9, entre outros).

Muito antes de os seus discos a solo seres referenciados, a este já cabia a responsabilidade de produzir para um grupo tão mediático quanto Slum Village, a par do seu colega Fat Ray, o outro membro da dupla B.R.Gunna.

Como ficou subentendido no primeiro parágrafo, o disco de estreia Popular Demand foi o suspiro de alívio para aqueles que não acreditavam numa reformulação tão imediata da Motown.

Entre a estreia e o "difícil segundo álbum" B.M. tornou-se num dos rookies mais desejados do "draft" de produtores, desmultiplicando-se em participações, não só nas batidas como nas rimas.

Se em Popular Demand ainda se falava na proximidade com a sonoridade imposta por Dilla, já Tronic foi mais uma prova de que Black Milk pretendia ser dono e senhor do seu próprio destino, afastando-se do rótulo e do fardo que lhe pretendiam colocar. Tronic, como o próprio nome indica, resulta de influências mais orgânicas e electrónicas, relegando para segundo plano os orelhudos samples soul ou de funk. Nesta altura, Black Milk já demonstrava um grande apreço por baterias expressivas na sua fórmula. Um caminho que tem vindo a explorar imenso, de tal modo que já se tornou numa das suas imagens de marca. Tal como no cinema se fala em "cinema de autor" aqui podemos aplicar a analogia a " produção de autor".

"Album of the year" mais que uma designação pretensiosa para um título de um álbum é, na realidade, o retrato musical do último ano da vida do artista, tal como o mesmo refere logo na abertura. E talvez não seja por acaso que o disco tenha apenas doze faixas. Doze temas que perfazem uma viagem sonora de 55 minutos onde se encontram diluídos acontecimentos relevantes na vida de B.M.

"365" abre as hostes num tom retrospectivo e esclarecedor do verdadeiro intuito do disco. Aqui nomeia alguns factos pessoais marcantes nomeadamente a morte de Baatin, membro fundador dos Slum Village.
"Welcome (Gotta go)" e "Keep Going" seguem a mesma dinâmica inicial, aparentando até alguma anarquia resultante de uma qualquer jam session que pode provocar alguma estranheza inicial, embora comece a fazer sentido após sucessivas audições.


"Oh girl" representa o típico hino ao sexo oposto, que certamente, também deve ter tido um papel bastante significativo durante último ano do produtor/rapper.
"Deadly medley" traz uma troca de punchlines entre intervenientes, provavelmente, o trio mais mediático de Detroit do momento (excepto Eminem), ou seja, Black Milk, Royce e Elzhi, estes dois últimos representando duas eras do HipHop da cidade. Também em "Black& Brown" há troca galhardetes com entre B.M e Danny Brown, uma personagem que tem vindo a fazer um buzz interessante no underground americano através de pequenas participações como esta.


"Round of applause" soa a algo já conhecido no reportório do produtor pois trata-se de um tema muito semelhantes ao single de Tronic, "Give the drummer sum". Aliás esse single enquadrar-se-ia perfeitamente no alinhamento deste disco.

Na combinação de dois aspectos essenciais: escrita e produção. Album of the year é a colheita de mais apurada de Black Milk e onde este binómio melhor se conjuga.


A produção, tal como foi dito, é o aspecto mais destacável porque marca definitivamente um estilo próprio, um carimbo sonoro que nos permite (já) identificar o seu "toque" tão naturalmente como identificamos uma batida de Premier, Dre ou Timbaland. (reparem que no final de cada faixa a duração desta prolonga-se mais que o habitual até acabar em definitivo, quase como se o autor quisesse um parte inicial rimada e uma final só instrumental)

Já no que toca às rimas, o discurso está mais assertivo e confiante. O flow está mais perpicaz e maleável, com uma maior preocupação na dicção devido às rimas internas, agora mais exploradas.


Quanto ao conteúdo, é pena Black cair na redundância do egotrip e da rima livre onde o ouvinte se acaba por perder a meio e se deixa levar apenas pelo apelo da batida.
Embora não seja surpresa nenhuma, um produtor/ mc se destacar em apenas um dos campos, pois encontrar um excelente produtor e mc é tão provável como encontrar um excelente futebolista ambidestro.

"Album of the year" certamente que não será o disco do ano, apesar de ir constar na lista de nomeados. Mas, ficou patente que Black Milk é um dos produtores mais prolíferos e vanguardistas do HipHop contemporâneo.

Nota: na review foi considerado Popular Demand como disco de estreia de Black Milk, apesar de algumas fontas considerarem que esse tenha sido já o seu segundo disco oficial.

Myspace: Black Milk