Algumas Reflexões... O Poder do Ouvinte

Há gente que abomina o rap. Alguns simplesmente apreciam um ou outro artista, uma ou outra canção. Há consumidores de música que ingerem o rap da mesma forma com que se alimentam da Pop ou do Rock. No entanto, os adeptos do rap, eles mesmos, não são de forma nenhuma homogéneos na forma de senti-lo. Neste âmbito, pode-se ainda extrapolar as diferentes pontas do rap, desde o underground ao mainstream, do indie ao gangsta, do culto e poético até ao de rua, mais cru.

De entre todas estas variantes, algumas fazem a apologia da violência ou, pelo menos, ela está incluída no rol de assuntos predominantemente tratados. Ora, há quem gostasse e desejasse banir e censurar vincadamente tal temática na música. Até porque o Hip Hop é festa, é promoção de paz, é isso que está inscrito nos seus princípios.

Retrato da sociedade, forma artística ou expoente da liberdade, a música é peça vital, é sangue mesmo, para qualquer pessoa. Ninguém vive sem música. Toda a gente a ouve, independentemente dela ter qualidade ou não. Assim, a música é depositária de tudo quanto possa haver neste mundo. Mas pode ou deve impor-se uma cartilha de assuntos tratáveis na música ou cada um deve ser livre de viver, no fundo, essa liberdade soprada pela própria música?

Discriminação pela cor da pele e pela sexualidade, exploração emocional, violência, manipulação, guerra, violação dos direitos humanos... Há aspectos errados mas arreigados na sociedade que deslaçam a civilização. Tornamo-nos pessoas cada vez mais insensíveis, egocêntricas, egoístas e distantes. Quantas vezes já escutamos, por exemplo, num rap uma calúnia contra as mulheres? Vezes sem conta, infelizmente. Será esta a liberdade que imaginamos quando pretendemos a música sem amarras?

A nossa sociedade valoriza cada vez mais a aparência em desfavor do conteúdo, o materialismo em desprimor do saber, à medida que a universalidade ao invés de fomentar a abertura de mentalidades oprime certos aspectos pelo franzir da intolerância e pelo virar de costas que é o preconceito. Ultrajar contemporaneamente é um modo de vida para muitos. Elevar a arte, qualquer que ela seja, é tarefa apenas de um restrito grupo de iluminados que permanecem firmes na crença de que vale a pena lutar por algo superior, que nos faça sentir perto dos deuses.

Quem liga a MTV, assiste com espanto à apologia do fútil que faz do livro de cheques e do registo de propriedade o termómetro indicado para a medição da sua valia pessoal. O que é um claro contra-senso com uma forma artística como a música. A arte é a desenvoltura do intelecto, não a balança que pesa o volume do que se tem nos bolsos.

Noutro particular, existe também a inveja. É bem mais fácil invejar do que tentar chegar-se a um determinado patamar. Em muitos casos, chafurda-se na abulia, definha-se na negatividade, por não se conseguir ser muitas vezes alquimista e transformar a energia que nasce em nós em algo positivo. É mais fácil odiar do que amar porque o ódio é destruir ao passo que amar é construir. E há o trabalho. Nada se constrói sem trabalho, sem dedicação e persistência. Quando estes elementos se juntam há um mistério no Universo – a que alguns chamam sorte – que congrega esses factores para que eles resultem.

A música tem um estrondoso impacto na consciência colectiva, influenciando-a portanto nas suas convenções quer positivas quer negativas. Daí que seja essencial que os artistas usem o poder que têm responsavelmente. Mas como sabemos que o Pai Natal não existe mas ele entra-nos casa adentro todos os anos, teremos então de ser nós, os ouvintes, os garantes da saúde da música e tratar de fazermos a triagem devida. Nenhum artista vingará se não lhe dermos importância. É uma questão de afirmarmos a nossa escolha e de não estarmos à espera que nos impinjam quem quer que seja.

Deve servir a música para que nos tornemos melhores pessoas. Deve ela inspirar-nos certos valores que norteiem os nossos dias. Concluindo, parte do ouvinte aceitar e legitimar certos tópicos reflectidos na música. O gosto é sempre validado pelo público e a música que temos resulta desse gosto da maioria. Por isso, é que é cada vez mais urgente e importante que sejamos exigentes com o nível musical dos artistas para que advenha daí a qualidade que todos nós pretendemos e que essa se sobreponha à decadência sonora que por aí ondula.

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